terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Episódio 1 - A Aventura antes de 1991

A descoberta da Terra pelos meus próprios pés havia começado efectivamente quando primeiro visitei Inglaterra. Parti, de avião, na companhia de uma hospedeira e voei sozinho apesar dos meus 1o anos parecerem poucos para tal aventura. Correu tudo bem. À chegada estava o meu tio Tó e logo segui com ele depois de terem recuperado o meu passaporte que tinha ficado esquecido no avião. Provei logo que estava atento e senti uma grande confiança na minha capacidade de ser responsável.
Lá fomos rumo a Portsmouth, Southsea mais exactamente. Cheguei e instalei-me na casa dos meus tios e primo pouco mais velho. Estive lá mais de um mês. A tempo de ir à escola acompanhar o meu primo e ver como era ir à escola em Inglaterra. Tudo diferente. Alunos fardados, portão fechado, aulas mistas com alunos distribuidos, não por turmas mas por disciplinas, piscina, sextas-feiras de festa, aulas com alunos atentos e disciplinados quase por natureza. Enfim, um mundo distante do que experienciava em Lisboa.
Muitos dos alunos iam de bicicleta para a escola. Havia um parque de estacionamento que guardava dezenas de bicicletas e não importava que chovesse ou fizesse frio.
Nas aulas, para além das tradicionais matemática, ciências e afins, havia possibilidade de aprender música, incluindo a escolha de um instrumento para aprender a tocar; a cozinhar, com laboratórios munidos de fornos e apetrechos de cozinha; teatro; desporto, incluindo algumas modalidades em particular, como o hóquei em campo. Tudo ao gosto do indivíduo-aluno e nada de obrigações a não ser o elementar.
Fora da escola até a pequena Southsea parecia maior que Lisboa. Até havia McDonald´s e armazéns do tipo centro comercial. Uma verdadeira sociedade ocidental, contrária do masoquista atraso de vida que se vivia em Portugal no início dos anos 80.
Os meus tios levaram-me também a conhecer um parque temático, quase ao jeito da Disneyland mas em ponto mais pequeno. Para mim era uma miragem. Nem acreditava que tal existisse na realidade.
Também fomos à Isle of Wight, de ferry, visitar, entre outras coisas o palácio da Rainha na ilha.
Fantástico mesmo foram as visitas a Londres. Aí sim fiquei abismado. Enorme, com milhões de pessoas, lojas, quer dizer, a Hemleys na Oxford street é, sem dúvida, "a" loja para um miúdo de 10 anos.
Lá fomos, Hyde Park, Madame Tussaud, National History, Soho... assimilando tão depressa quanto possível tudo o que conseguia ver. O Buckingham e os guardas de chapéu preto, os punks espalhados pelos jardins e recantos, os autocarros vermelhos e os táxis pretos. Ficou tudo gravado no meu cérebro.
Estamos em 1983 e a minha viagem apenas começou!
No regresso a Lisboa cantaram-me os parabéns pelos meus 11 anos e eu senti-me uma pessoa diferente.
Só voltaria a sair da casquinha portuguesa em 1989. Pelo caminho ficaram umas breves visitas à vizinha Espanha.
Em 89 comecei a namorar com a Patrícia e em Julho fomos numa excursão organizada pela escola onde a mãe dela era professora. Foi à Bélgica e o objectivo era praticar desporto numa colónia de férias.
Foi diferente. Viajámos em grupo, num autocarro cedido pela Câmara Municipal e demorámos quase 3 dias a chegar a Blackenberge, terrinha costeira com atracções do tipo de estancias veraneantes. A diversão misturou-se com a possibilidade de estar fora, num país diferente. O facto de sermos muitos portugueses dificultou a minha necessidade de integração com os locais. Também a presença da Patrícia e de um namoro ainda fresco mas já com problemas vividos tornou estes 15 dias numa sucessão de acontecimentos de franca tentativa de reconciliação e de avaliação da relação.
Um dos melhores momentos aconteceu quando fomos, de bicicleta, percorrer um trajecto de cerca de 20km que nos levaria à vila fronteiriça com a Holanda. Parecia que já conhecia aquela vida. O paraíso da ocientalização e da civilização unidos por meio milhar de pessoas. A Holanda fascinou-me de imediato e ainda estava numa vilazita cujo nome já nem me lembro. Ficou decidido que havia de voltar a este país.
Regressámos a Portugal, passou mais um ano e, no verão seguinte, de 1990, lá voltámos à Bélgica nos mesmos moldes mas para outro local. Este ficava mais perto de Gent e as actividades desportivas centravam-se muito com a utilização de um lago artificial e com as modalidades ligadas à água: windsurf, vela e kayak. Foi giro aprender tudo isto e mais divertido ainda viver aqueles momentos próprios de um grupo de adolescentes ao jeito "Porky´s". Poucos se atreviam a adormecer primeiro sob pena de serem vítimas de tropelias como levar com pasta dos dentes entre os lábios e com um cigarro lá colocado. Ou ser transportado, em pleno sono, junto com o colchão, para fora das camaratas e acordar em pleno ar livre, naturalmente fresco à moda do norte.
De manhã cedo, às 7, éramos acordados pelo toque de um sino. Vestir, lavar e caminhar para o refeitório, a tempo de um reconfortante pequeno almoço. Na última noite escondi o sino e no último dia acordámos um pouco mais tarde.
A viagem de regresso foi interessante. Tivémos oportunidade de passar umas horas em Paris. Sempre quis conhecer Paris. Pena que a companhia dos 4 ou 5 miúdos que escolhi para seguir não fosse tão produtiva quando o desejado. No entanto lá fui caminhando pelas ruas e não me perdi. Havia de lá voltar também.
Nesta altura as fronteiras entre países europeus funcionavam a todo o gás. Mas o mais engraçado foi atravessar de Espanha para Portugal com todos a empurrar o autocarro que parecia mais exausto que nós.
O regresso, mais uma vez, foi angustiante. Não queria que tudo terminasse já. "Para o ano voltarei a sair", pensei eu com a certeza de ter já um objectivo a alcançar.
Destas passagens pela Bélgica ficaram as imagens de Antuérpia, Gent, Bruxelas e mais algumas pequenas cidades onde a cerveja acabava por ser o tema central. A visita a Bruxelas foi aquela que me fez sentir turista de facto (mas sem gravata). Portugal era agora um país a caminho da Europeização e esta era a capital da Europa! O modelo!
Serviram estas visitas também para me habituar aos câmbios de moeda. Até aqui era simples pois ir a Espanha e usar a Peseta não tinha muito que pensar. O Escudo ainda era mais forte que a Peseta. Sim é verdade, isso aconteceu! Aqui na Bélgica e na breve passagem por França e pela Holanda apercebi-me da piada que é passar o tempo a fazer contas para saber se era mais caro ou mais barato que em Portugal. Os Florins (Guilder), e os Francos Belgas e Franceses mexeram muito com a minha capacidade de fazer contas rapidamente e de cabeça. E como não haviam caixas de multibanco (ATM) tinhamos mesmo de negociar com os bancos ou com os locais de troca de moedas para garantir um câmbio favorável.
A preparação para a aventura estava feita, os medos estavam vencidos e eu estava pronto para pisar mais países. 1991 vinha aí com imensas surpresas.

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