domingo, 31 de março de 2013

Capítulo 3 - O primeiro contacto com a Europa Central.

Saímos de Venezia, confesso que já um pouco enjoado. Parecia saído de uma viagem de barco, interminável apesar de só ter feito 20 minutos de vaporetto na noite anterior. O destino era Salzburg mas tínhamos de trocar de comboio em Innsbruck. Alguma coisa me fez sentir atraído, na paisagem desta viagem. Viria a descobrir mais tarde o quê mas por agora o Tirol e Innsbruck ficaram-me gravados. Foi a primeira vez que dei por mim a desejar voltar e ainda agora tinha começado. De Innsbruck a Salzburg foi tão rápido quanto majestoso. Este país era um retrato, um postal e, ao mesmo tempo, um imponente monumento. Áustria é um país à parte, definitivamente. Parece alheado do que aconteceu recentemente na Europa, fruto da eloquência de um dos seus cidadãos natos.
Salzburg, dia 9 de agosto de 1991, está sol e comemoram-se efusivamente os 200 anos da morte de Wolfgang Mozart. Os cabos elétricos dos tram´s entrelaçam-se nos cruzamentos formando o perfil de Mozart, as janelas dos inúmeros palácios e palacetes enfeitam-se com imagens do músico. É evidente a importância de Mozart para a afirmação da cidade. Depois de provar uns chocolatinhos em forma de Mozart, cobertos com papel com a imagem de Mozart, partímos em busca do Camping Salzburg, algures numa encosta junto à entrada da cidade. Um autocarro levou-nos até cerca de 700 metros da entrada do camping, o resto foi feito a pé. Aqui sentiam-se os quilos da mochila, ainda suficientemente cheia de comida enlatada. A Tânia acusava as alterações às rotinas. Uma prisão de ventre que tinha de rapidamente ser ultrapassada. O laxante quase a impediu de vir connosco visitar o centro mas tudo se resolveu.
Depois de montar a tenda, sentei-me na porta e vislumbrei do topo da encosta, todo o centro de Salzburg e as montanhas verdes em volta. Tive a sensação de já ter visto isto algures e tinha razão, o "Música no coração" fora ali mesmo gravado. Quase que conseguia ver a Julie Andrews a subir por ali acima, na minha direção.
Descemos ao centro e encontrei mais alguns locais que se viam no filme. De resto era Mozart por toda a parte. O clima era pacífico e as pessoas, mais velhas que novas, apresentavam-se bem. Notava-se uma qualidade de vida diferente, ali. Parecia-me mais majestosa mas acabaria por concluir que era uma imagem precipitada que formara. Mais à frente, Europa Central acima, juntavam-se outras qualidades a esta.
De Salzburg fomos para Munchen, ou Munique. A Baviera atravessada de comboio é quase tão bela como o Tirol, mas só quase.
Em Munchen procurei um banco ou uma casa de câmbios, na estação, para descontar um traveller-check em Marcos alemães. Dirigi-me ao empregado de balcão em inglês dado que o alemão e eu não somos muito chegados...nem pouco, tão pouco. O empregado da casa de câmbios, que suponho devesse contar com a presença de não-alemães ali, fez-me uma cara de poucos amigos e respondeu-me em alemão, acho eu. Como sabia o procedimento, limitei-me a dar-lhe o cheque e o passaporte para ele efetuar a troca. Fui surpreendido pelo sorriso e pela pergunta em português:
- Então é de onde? De Lisboa ? Está em viagem, é?
Afinal o pré-classificado de xenófobo (por mim mesmo) era português e facilitou-me imenso a tarefa.
Partida para Berlin. Parece mentira mas é mesmo verdade. O meu coração bate a 200 à hora e a ansiedade sente-se na barriga. Como será Berlin? Estaremos seguros? Encontraremos sítio para dormir? Como será Berlin?
Cheguei a Berlin, pela primeira vez, no dia 14 de Agosto, dia do aniversário do meu Pai. Olhei para cima, para o céu, e fingi que ele me estaria a ver lá de cima, orgulhoso como eu de mim próprio. A estação de Berlin-Zoo transportou-me para as memórias de Christiane-F porém, o perigo não era evidente. Provavelemente nem havia qualquer perigo.
Tanto simbolismo numa só manhã tornou-se cansativo e eu estava a ficar exausto e ainda tínhamos uma cidade para vasculhar e procurar onde ficar. Uma cidade não, Berlin!
O nosso livrinho, Let´s go Europe, indicava-nos uma morada com um camping no centro, ainda que o centro de Berlin fosse uma coisa infinita, vista de dentro. Não fazia ideia onde começava ou acabava, apenas que era gigantesco.
Um camping perdido num parque algo estranho foi onde ficámos. Pelo caminho comecei a reparar em algumas pessoas, na casa dos 70, 80 anos, com aparência lunática. Claramente apresentavam distúrbios mentais. Não sei porquê mas associei-os a doentes traumatizados pela guerra. Talvez até fossem mas não investiguei.
O primeiro local a visitar foram as portas de Brandenburgo, Brandenburger Tor.
Há uma lista imaginária que tenho de alguns locais emblemáticos, as portas de Brandenburgo constam dela. O facto de constar nesta lista fez com que o arrepio se fizesse sentir na minha pele quando me coloquei debaixo do arco central. Eu estava mesmo ali onde há menos de uns meses estava o muro!
Na alameda em frente às portas, estendia-se uma espécie de feira onde se vendiam todas as memórias da União Soviética, desde fardas a medalhas, a passaportes antigos, moedas, relíquias. Haviam também pedaços de muro à venda por 1DM (Deutsche Mark) , ou cem paus para nós. Do muro era tudo o que se avistava aqui perto. Mais à frente podiam ver-se, ainda erguidos, partes do muro de Berlin completamente grafitados.
A cidade parecia um estaleiro gigante. Era rara a praça ou avenida em que não estivessem a decorrer obras de grande escala.  Da parte leste, aparentemente não havia muito que ver. Claramente mais cinzenta e menos ocidental de aspeto. Da parte oeste, uma verdadeira cidade. Não tão metrópole assim mas uma grande, enorme, gigantesca cidade. De um lado mercedes, do outro trabant mas via-se que aquilo ia dar uma mistura mais homogénea, um dia.
Viam-se punks na rua, havia muita música alternativa à venda e uma cervejaria de esquina, não muito longe de Berlin-Zoo hauptbahnoff , com canecas de meio litro a 1,5DM.
O sistema de transportes era inacreditável. Completo, simples, eficiente e nada caro. Viríamos a descobrir a importância das moedas de 2,5 escudos, as de vinte e cinco tostões, brancas, pequeninas. Nas máquinas de venda alemãs valiam 0,5DM, ou 50 pfenning , ou seja, cinquenta paus. Tinham rigorosamente o mesmo tamanho, peso e um valor bem diferente. Os transportes ficaram bastante mais baratos subitamente.
Berlin guarda o passado bem escondido, não gosta que ele se sinta. Não sei se isso é bom ou mau. Por um lado pode ser por vergonha, por outro por fingimento. Não há vestígios dos finais dos anos 30, emblemáticos da tragédia que ali começou. Vive-se apenas o fim aparente, mas oficial, da Guerra Fria. Que consequências haveriam para aquela gente? Quer para os que vivem na parte ocidental como na oriental. E isto, a nível local. Como iria a Europa reagir a esta re-união? Outros fatores desta década de 90 potenciaram o valor desta união. O início da globalização tornaria Berlin como um dos focos do Mundo. A estranheza de ver um país muito desenvolvido aparecer como um país emergente na Europa e no Mundo. Estará apenas a iniciar-se a criação de um novo império, ou será apenas exagero meu?
Muitos kilómetros a pé, de U-bahn e S-bahn feitos em Berlin fizeram-me de novo sentir vontade de voltar a sair daquele cantinho à beira mar plantado, de onde saíra. Berlin é brutal! É enorme, gigante, imponente! E não se podia comparar à também enorme Londres. Aqui era diferente, o conceito de grande associa-se a domínio e rigor que transparecia alguma austeridade acima do que eu conhecia. Em Londres a sensação de liberdade era maior e este era, para já, o meu único termo de comparação.
Era hora de continuar a descobrir. Os 5 dias em Berlin foram tão ricos quanto escassos mas tínhamos planeado voltar a Lisboa no dia 20 e ainda queria visitar a jóia da coroa da Europa.


quinta-feira, 28 de março de 2013

Episódio 2 - continuação

A viagem havia começado, via Madrid, em Barcelona. Chegámos tarde e não havia mais ligações. Ao ver que não éramos os únicos, procurámos um canto dentro da estação para esticar os sacos-cama e repousar. Nem 15 minutos passavam e já a polícia nos convidava a sair da estação para que pudesse ser fechada e limpa. Os sacos-cama passaram para a rua, para a praça em frente a Barcelona-Sants. Aqui ficaram mais de 20 desprevenidos com sacos-cama esticados. Juntaram-se dois italianos, um casal, e ali ficámos a conversar e a aprender caminhos para alcançar Venezia rapidamente. Na manhã seguinte rumámos a Genéve. passaram algumas horas e logo seguimos para Lausanne, onde encontraríamos ligação direta a Venezia. Lausanne pareceu-me uma Coimbra, atulhada de gente com idade para ser estudante universitário mas com recursos dferentes. Era evidente a quantidade de dinheiro que por ali se ganhava e gastava. A comprovar as diferenças estavam os milkshake´s do Mc Donald´s que custavam o mesmo que um almoço num qualquer restaurante lisboeta. Tomei um...milkshake!
Hora de entrar no comboio outra vez e avançar até à primeira paragem prevista, Venezia.
Os italianos em Barcelona ensinaram-nos que ficando em Mestre (Venezia) pouparíamos bastante dinheiro na estadia e dali a Santa-Luzia (a Venezia que todos conhecem) era um pulo de 5 min de comboio.
Chegámos de manhã, após a noite passada num compartimento de comboio suiço. Não demorou muito a encontrar um alberggo com um quarto para os 3. Bem mais barato que o previsto, graças aos italianos de Barcelona.
Das mochilas sairam os púcaros e as latas de comida e logo se fez uma festa no quarto. Era um facto, estava ali, longe de tudo, num quarto alugado, em Venezia! Uma vitória foi o que senti!
Ficámos aqui 3 dias e andámos por todas as ruas de Santa Luzia. A praça de São Marco, as gôndolas, as pontes, os canais, as gentes de todo o mundo. Tudo era magnífico. O dinheiro não dava para grandes aventuras mas foi engraçado vaguear aleatóriamente por Santa Luzia. Na última noite decidimos apanhar um vaporetto que atravessava alguns dos maiores canais e que nos levava à estação de comboios. Tivémos uma surpresa e o último comboio já havia partido. Esperámos até às 5 da manhã para poder fazer o trajeto de 5 minutos de volta ao alberggo em Mestre. A escadaria em frente à estação serviu-nos de palco para conhecer mais um italiano que estava curioso com a nossa origem e nós com a sua curiosidade. Bom, habituado a escadarias, eu já estava. Na tarde anterior, após um belo almoço de fatias de pizza do quiosque, fiz uma bela sesta à entrada de uma pequena igreja que ficava no fundo de uma das ruas que terminavam no canal, sem saída portanto. Acordei quando a missa ia começar e as pessoas queriam subir as escadas. Foi o mais próximo que tive de me sentir um mendigo.
Após uma noite em branco, lá fomos de volta ao alberggo, arrumar a mochila e cochilar um pouco para partir de novo. Era hora de conhecer a Áustria e a cidade natal de Mozart, Salzburg.


domingo, 8 de fevereiro de 2009

De volta à escrita

agora com 2 seguidores.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Episódio 2 - continuação




O primeiro percurso, em 1991. Era para durar uns 15 dias, acabou por ser o mês todo!


1º de Agosto, "é amanhã...e tudo em mim é um fogo-posto".

Bem ao jeito de Xutos, partimos:

eu a Patrícia e a Tânia. Bem juntinhos!


















Saída de Lisboa - Santa Apolónia - 1 de Agosto de 1991

1 - Lisboa - Madrid


2- Madrid - Barcelona


3- Barcelona - Genéve


4 - Genéve - Veneza (via Lausanne)


5 - Veneza - Innsbruck


6 - Innsbruck - Salzburg


7 - Salzburg - Berlin (via Munchen)


8 - Berlin - Amsterdam (via Amersfoort)


9 - Amsterdam - Brussels


10 - Brussels - Luxembourg


11 - Luxemburg - Paris (via Metz)


12 - Paris - Lisboa



A minha missão fora cumprida no instante em que cheguei a Berlin. No puro auge da reunificação, ali estava eu a testemunhar com os meus próprios olhos o que esta significava às pessoas, numa análise tão precoce quanto os 8 meses passados que nem deram tempo de derrubar a totalidade do muro. Sim, ainda vi partes do muro de Berlim conforme ele era!


chegada a Berlin - Zoo
14 de Agosto de 1991,

dia de anos do meu Pai,
se fosse vivo faria 45 anos neste dia,
os mesmos que o fim da 2ªGrande Guerra.



Não era esta o meu objectivo de início, contemplar este sentimento, mas aconteceu o tal "arrepio" quando me deparei com as



Portas de Bradenburgo.


terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Episódio 2 - A queda do muro de Berlim

O ano é 1991. O muro acabou de cair, no papel e, fora dele, umas partes foram também abaixo. Gorbatchev sai com uma missão cumprida difícil de ser aceite pelas profundas raízes instaladas na Grande União Soviética. Aqui e ali surgem as primeiras maifestações de independência e o surgimento de novos velhos países. A última década do século XX numa azáfama de crises de identidade cultural e de soberanias. A guerra na Europa é uma realidade quase inacreditável. Quem esperava que a Jugoslávia, de repente e a pretexto de não sei bem o quê senão da posse de território geograficamente estratégico, pudesse dividir-se em meia dúzia de pequenas culturas divididas por linhas. Quem diria que, no ano em que a internet aparece, ainda a medo e em jeito de experiência, a globalização tomaria um rumo inverso, o da separação violenta.
Nada disto abalou a minha vontade de conquistar a Terra e de querer pisar todos os metros quadrados pisáveis. A idéia de arrancar pela Europa de combóio era já uma realidade alcançável e, logo em Janeiro começaram a ser traçados os primeiros planos para uma das viagens mais inesquecíveis que fiz.
Orçamentos, locais, condições, necessidades, possibilidades. Palavras-chave para dar crédito à viagem.
Em 1991 não havia multibanco, cada país europeu tinha a sua própria moeda, não haviam telemóveis nem internet. Dito isto agora, em pleno século XXI, parece que estávamos na pré-história da sociedade ocidental. A verdade não está muito longe desta afirmação. Na prática, a Era tecnológica desabrochou no decorrer desta década de 90 que ainda agora estava a começar.
(continua brevemente)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Episódio 1 - A Aventura antes de 1991

A descoberta da Terra pelos meus próprios pés havia começado efectivamente quando primeiro visitei Inglaterra. Parti, de avião, na companhia de uma hospedeira e voei sozinho apesar dos meus 1o anos parecerem poucos para tal aventura. Correu tudo bem. À chegada estava o meu tio Tó e logo segui com ele depois de terem recuperado o meu passaporte que tinha ficado esquecido no avião. Provei logo que estava atento e senti uma grande confiança na minha capacidade de ser responsável.
Lá fomos rumo a Portsmouth, Southsea mais exactamente. Cheguei e instalei-me na casa dos meus tios e primo pouco mais velho. Estive lá mais de um mês. A tempo de ir à escola acompanhar o meu primo e ver como era ir à escola em Inglaterra. Tudo diferente. Alunos fardados, portão fechado, aulas mistas com alunos distribuidos, não por turmas mas por disciplinas, piscina, sextas-feiras de festa, aulas com alunos atentos e disciplinados quase por natureza. Enfim, um mundo distante do que experienciava em Lisboa.
Muitos dos alunos iam de bicicleta para a escola. Havia um parque de estacionamento que guardava dezenas de bicicletas e não importava que chovesse ou fizesse frio.
Nas aulas, para além das tradicionais matemática, ciências e afins, havia possibilidade de aprender música, incluindo a escolha de um instrumento para aprender a tocar; a cozinhar, com laboratórios munidos de fornos e apetrechos de cozinha; teatro; desporto, incluindo algumas modalidades em particular, como o hóquei em campo. Tudo ao gosto do indivíduo-aluno e nada de obrigações a não ser o elementar.
Fora da escola até a pequena Southsea parecia maior que Lisboa. Até havia McDonald´s e armazéns do tipo centro comercial. Uma verdadeira sociedade ocidental, contrária do masoquista atraso de vida que se vivia em Portugal no início dos anos 80.
Os meus tios levaram-me também a conhecer um parque temático, quase ao jeito da Disneyland mas em ponto mais pequeno. Para mim era uma miragem. Nem acreditava que tal existisse na realidade.
Também fomos à Isle of Wight, de ferry, visitar, entre outras coisas o palácio da Rainha na ilha.
Fantástico mesmo foram as visitas a Londres. Aí sim fiquei abismado. Enorme, com milhões de pessoas, lojas, quer dizer, a Hemleys na Oxford street é, sem dúvida, "a" loja para um miúdo de 10 anos.
Lá fomos, Hyde Park, Madame Tussaud, National History, Soho... assimilando tão depressa quanto possível tudo o que conseguia ver. O Buckingham e os guardas de chapéu preto, os punks espalhados pelos jardins e recantos, os autocarros vermelhos e os táxis pretos. Ficou tudo gravado no meu cérebro.
Estamos em 1983 e a minha viagem apenas começou!
No regresso a Lisboa cantaram-me os parabéns pelos meus 11 anos e eu senti-me uma pessoa diferente.
Só voltaria a sair da casquinha portuguesa em 1989. Pelo caminho ficaram umas breves visitas à vizinha Espanha.
Em 89 comecei a namorar com a Patrícia e em Julho fomos numa excursão organizada pela escola onde a mãe dela era professora. Foi à Bélgica e o objectivo era praticar desporto numa colónia de férias.
Foi diferente. Viajámos em grupo, num autocarro cedido pela Câmara Municipal e demorámos quase 3 dias a chegar a Blackenberge, terrinha costeira com atracções do tipo de estancias veraneantes. A diversão misturou-se com a possibilidade de estar fora, num país diferente. O facto de sermos muitos portugueses dificultou a minha necessidade de integração com os locais. Também a presença da Patrícia e de um namoro ainda fresco mas já com problemas vividos tornou estes 15 dias numa sucessão de acontecimentos de franca tentativa de reconciliação e de avaliação da relação.
Um dos melhores momentos aconteceu quando fomos, de bicicleta, percorrer um trajecto de cerca de 20km que nos levaria à vila fronteiriça com a Holanda. Parecia que já conhecia aquela vida. O paraíso da ocientalização e da civilização unidos por meio milhar de pessoas. A Holanda fascinou-me de imediato e ainda estava numa vilazita cujo nome já nem me lembro. Ficou decidido que havia de voltar a este país.
Regressámos a Portugal, passou mais um ano e, no verão seguinte, de 1990, lá voltámos à Bélgica nos mesmos moldes mas para outro local. Este ficava mais perto de Gent e as actividades desportivas centravam-se muito com a utilização de um lago artificial e com as modalidades ligadas à água: windsurf, vela e kayak. Foi giro aprender tudo isto e mais divertido ainda viver aqueles momentos próprios de um grupo de adolescentes ao jeito "Porky´s". Poucos se atreviam a adormecer primeiro sob pena de serem vítimas de tropelias como levar com pasta dos dentes entre os lábios e com um cigarro lá colocado. Ou ser transportado, em pleno sono, junto com o colchão, para fora das camaratas e acordar em pleno ar livre, naturalmente fresco à moda do norte.
De manhã cedo, às 7, éramos acordados pelo toque de um sino. Vestir, lavar e caminhar para o refeitório, a tempo de um reconfortante pequeno almoço. Na última noite escondi o sino e no último dia acordámos um pouco mais tarde.
A viagem de regresso foi interessante. Tivémos oportunidade de passar umas horas em Paris. Sempre quis conhecer Paris. Pena que a companhia dos 4 ou 5 miúdos que escolhi para seguir não fosse tão produtiva quando o desejado. No entanto lá fui caminhando pelas ruas e não me perdi. Havia de lá voltar também.
Nesta altura as fronteiras entre países europeus funcionavam a todo o gás. Mas o mais engraçado foi atravessar de Espanha para Portugal com todos a empurrar o autocarro que parecia mais exausto que nós.
O regresso, mais uma vez, foi angustiante. Não queria que tudo terminasse já. "Para o ano voltarei a sair", pensei eu com a certeza de ter já um objectivo a alcançar.
Destas passagens pela Bélgica ficaram as imagens de Antuérpia, Gent, Bruxelas e mais algumas pequenas cidades onde a cerveja acabava por ser o tema central. A visita a Bruxelas foi aquela que me fez sentir turista de facto (mas sem gravata). Portugal era agora um país a caminho da Europeização e esta era a capital da Europa! O modelo!
Serviram estas visitas também para me habituar aos câmbios de moeda. Até aqui era simples pois ir a Espanha e usar a Peseta não tinha muito que pensar. O Escudo ainda era mais forte que a Peseta. Sim é verdade, isso aconteceu! Aqui na Bélgica e na breve passagem por França e pela Holanda apercebi-me da piada que é passar o tempo a fazer contas para saber se era mais caro ou mais barato que em Portugal. Os Florins (Guilder), e os Francos Belgas e Franceses mexeram muito com a minha capacidade de fazer contas rapidamente e de cabeça. E como não haviam caixas de multibanco (ATM) tinhamos mesmo de negociar com os bancos ou com os locais de troca de moedas para garantir um câmbio favorável.
A preparação para a aventura estava feita, os medos estavam vencidos e eu estava pronto para pisar mais países. 1991 vinha aí com imensas surpresas.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Episódio 0 - razões para conhecer o Mundo

a ideia de passar por muitos países sempre me acompanhou desde pequeno. gostava de falar com pessoas que já tivessem viajado e conhecido muitos sítios. chegava mesmo a contar por quantos países tinham passado e a fazer uma espécie de campeonato entre todos.
lembro-me uma vez de, à conversa com o meu Pai, teria eu os meus 10 ou 11 anos, ficar deslumbrado com a sua passagem por Paris. imaginei-o num Mundo completamente diferente, com pessoas diferentes, paisagens diferentes, lingua diferente e na sua necessidade de comunicação alternativa para resolver as situações mais vulgares.
aos 16 conheci o então campeão viajante. um amigo de encontros casuais, próprios da convivência de grupos da adolescência. era conhecido por Magoo, como a personagem Mr.Magoo. não que tivesse problemas de visão, antes pelo contrário. a sua visão tornou-se global e aberta, fruto da sua passagem pelos 4 cantos da Europa e pela sua ambição de alastrar a sua conquista ao Mundo inteiro.
o Magoo viajava muito de comboio. fazia inter-rail, às vezes dois meses seguidos, com dinheiro que nunca percebi como conseguia. às vezes pedia boleia mas mantinha sempre um discurso despreocupado quanto às armadilhas do dia-a-dia. onde comer e dormir parecia, te todo, o menos importante nas suas viagens.
importante mesmo eram as suas descobertas e a cobertura mais vasta possível do terreno global.
reparei que os truques se aprendiam no caminho, conforme surgiam as dificuldades ou as necessidades. para uma pessoa habituada a prevêr todo o tipo de acidentes, tudo aquilo me parecia quase absurdo e aterradoramente irresponsável. achava mesmo que colocava a sua vida em perigo apesar de a recompensa ser maravilhosa. era como costruir um curriculum e deixar a sua pegada em toda a parte. era um prémio valiosíssimo.
já quando frequentava a faculdade tinha um colega chamado Gastão. outra personagem da banda desenhada cujo título de sortudo só podia ter um significado. o Gastão não demonstrava ser propriamente abastado financeiramente mas nem por isso deixou de experienciar a aventura do inter-rail. partiu com poucos recursos monetários mas muitos mantimentos e, pelo caminho, trabalhava: na apanha de morangos; vindimas. enfim, no que o caminho lhe propunha.
decerto tinha planos prévios antes de partir mas não me ocorria tal observação. na minha cabeça só passava o facto de que ele ia fossem quais fossem as dificuldades.
a tudo isto, e aliado à minha vontade de querer ir longe, tão longe quanto possível, varrendo todo o espaço pisável, juntou-se a minha relação com a Patrícia, com quem comecei a namorar aos 16 e cujo espírito me abriu o caminho da conquista. a certeza que depositava em mim garantia-me que era capaz ou que teria de demonstrar que era capaz. afinal, também a Patrícia queria pisar o Mundo todo, também ela conheceu o Magoo e o Gastão e outros que se nos cruzaram pelo caminho conjunto.